imagem

Sauvignon Blanc na visão de Pascal Jolivet

Entrevista

Pascal Jolivet usa o que aprendeu em Champagne para, com ajuda dos métodos naturais, se tornar uma grande marca de Sancerre e Pouilly Fumé

O francês Pascal Jolivet é um defensor dos vinhos naturais; mais que isso, dos Sauvignon Blanc da região de Sancerre e Pouilly Fumé, no Vale do Loire. Para ele, indiscutivelmente os melhores do mundo, por uma razão simples: "Desculpe ser preconceituoso, mas acho que o terroir de lá é o melhor para a produção de Sauvignon Blanc". Se você, assim como ele, tivesse nascido em uma família que há gerações está ligada ao vinho local, especialmente com ancestrais que trabalharam no lendário Château de Tracy, certamente teria uma posição parecida com a dele sobre o assunto.

Bastante polido e muito direto, Jolivet tem opiniões contundentes ao afirmar a supremacia francesa na feitura de Sauvignon Blanc, mas também sabe ser político e diz ter ficado impressionado com o Sauvignon Blanc brasileiro, especialmente da serra catarinense. "Já provei alguns Sauvignon Blanc do Brasil e honestamente fiquei surpreso, não esperava encontrar um vinho tão bom no Brasil", afirmou.

Jolivet começou trabalhando em Champagne e entende o quão importante é criar uma marca própria forte, tanto que atualmente, quando alguém fala sobre grandes vinhos do Loire, seu nome é imediatamente lembrado. Entenda como esse francês pretende se tornar a principal referência do vinho de Sancerre e Pouilly Fumé.

Quais foram as circunstancias que lhe levaram ao vinho?
Minha família está no mundo do vinho há quatro gerações. Meu bisavô e meu avô começaram a produzir vinho no antigo Château de Tracy. Na época, meu avô foi para Champagne para tentar produzir espumante. O Tracy foi o primeiro a fazer isso. Foi logo após a Primeira Guerra, portanto, foi muito difícil promover esse tipo de vinho, mas ele tentou. Aí, meu avô abriu sua própria empresa em 1926. Ele era négociant. Meu pai continuou com os negócios, e desenvolveu a companhia. Quando terminei meus estudos, não quis trabalhar com o meu pai, pois sabia que haveria muito conflito [risos], então comecei a trabalhar numa firma de Champagne, na Pommery, aos 22 anos. Eu era o mais jovem agente deles e foi muito bom para mim, pois descobri o mundo de Champagne. Depois, meu pai me propôs comprar uma companhia bem pequena de négociant, para que eu a tocasse sozinho. Então, comecei aos poucos, trabalhando na minha empresa e também na Pommery. Apenas em 1987 passei a assinar a marca com o meu nome. Acho que é o caminho que todos fazem, começam como négociants e, aos poucos, fui me tornando também produtor de vinhos, a partir de 1990. Passei a comprar uvas e suco para então produzir meus vinhos. Em 1993, adquiri meu primeiro vinhedo, num dos melhores lugares de Sancerre e Pouilly Fumé, Grand Chemann e Chêne Marchand, e devagar fui desenvolvendo o vinhedo, comprando um pouquinho aqui, arrendando outro pouco ali e, em 2000, decidi desenvolver o meu negócio e construir equipamentos para produzir vinho em gravidade, tornando-o mais natural. Desde o início tinha essa ideia de produzir vinhos de forma mais natural. Produzimos nossos vinhos de maneira bastante "naturalista", somos adeptos da viticultura orgânica, e estamos tentando combinar a prática orgânica com a produção de vinhos naturais. Agora, gerimos 63 hectares de plantações, 42 em Sancerre e Pouilly Fumé e 21 em Touraine.

"Acredito que seja fundamental ter o melhor terroir e não produzir vinhos técnicos, mas, sim, usar a tecnologia para mostrar o que fazemos"

Você diz tentar produzir seus vinhos da maneira mais natural possível. No entanto, como lida com as uvas compradas de terceiros?

"Temos muito calcário e, com isso, conseguimos um aspecto mineral muito bom, que, em muitos outros lugares, não há. E temos um clima mais frio, que deixa o vinho com pouco álcool, com um equilíbrio perfeito"

Estamos tentando encontrar uma maneira. Não é fácil falar para uma pessoa como ela deve cuidar de suas próprias uvas. Contratamos uma pessoa, que era de Chablis, do Domaine Laroche, para conversar com os pequenos produtores de quem compramos uvas e mostrar o que queremos. Quando vamos comprar, dizemos que queremos um mosto que seja completamente natural. O que fazemos na vinícola é único. Quando pegamos as uvas, esprememos e não clarificamos o mosto, não adicionamos nenhuma química, é tudo natural. Fazemos o que chamamos de Débourbage, afinamos o vinho por gravidade. O suco natural é fermentado. Por todas essas práticas, o estilo do nosso vinho é muito diferente.

Quais as características de um bom Sauvignon Blanc?
No Sauvignon Blanc, em particular, a acidez é a chave para um bom vinho. E, em nosso vinho, ela está lá, mas não é algo agressivo. A acidez está totalmente integrada ao vinho. A fruta e a acidez são bastante equilibradas. Minha ideia é produzir vinhos de caráter, nunca esquecendo do terroir, mas sempre com estilo. Minha experiência em Champagne me proporcionou isso, ter um estilo. E é isso que sempre tentamos fazer. Estilo é uma junção de finesse, pureza, elegância, espírito...

É assim que se desenvolve uma marca, certo?
Minha ideia é desenvolver minha marca, claro, mas também nunca esquecer o terroir. Para mim, nos vinhedos de Sancerre e Pouilly Fumé, você precisa, sim, mostrar a marca, mas também tem que dizer o quão fantástico é o terroir. Acredito que seja fundamental ter o melhor terroir e não produzir vinhos técnicos, mas, sim, usar a tecnologia para mostrar o que fazemos. São duas coisas diferentes.

O que torna os Sauvignon Blanc de Sancerre e Pouilly Fumé diferentes dos demais?
Lá temos uma boa combinação de solo. Temos muito calcário e, com isso, conseguimos um aspecto mineral muito bom, que, em muitos outros lugares, não há. E temos um clima mais frio, que deixa o vinho com pouco álcool, com um equilíbrio perfeito. Se você comparar safras mais antigas com as mais recentes em outros países, verá que não há muita diferença. Claro que há particularidades, mas eles são bem parecidos. Em Sancerre e Pouilly Fumé, se provar as safras de 2006 e 2007, verá que é como dia e noite. A primeira tem baixa acidez, pois é uma safra quente; e 2007 é safra muito fria, com muita acidez. E pulando para as safras mais recentes, de 2011 e 2012, acredito ser a mesma coisa. Os vinhos de lá são muito vibrantes, muito naturais. Temos essa capacidade de produzir vinhos extremamente únicos, diferentes. Tentamos não tocar demais nas uvas, pois a Sauvignon Blanc é muito frágil. A fruta é chave. De fato, todos esses detalhes são muito importantes. E são os detalhes que fazem a diferença.

Diferenças de safras de vinhos brancos não é uma coisa com que os consumidores se preocupam muito, não?
É um desafio, porque quando as pessoas provam nossos vinhos mais antigos perguntam quanto tempo podem durar. Em Sancerre, com exceção de 2005, eles podem se manter por 10 ou 20 anos, ou ainda mais tempo. Isso não significa que todos podem envelhecer. É uma questão de safra, de vinificação, acidez.

Qual o potencial de envelhecimento de seus vinhos?

"Em Sancerre, eles [Sauvignon Blanc] podem se manter por 10 ou 20 anos, ou ainda mais tempo. Isso não significa que todos podem envelhecer. É uma questão de safra, de vinificação, acidez"

Dois anos atrás, produzi uma ótima safra do single vineyard Chêne Marchand, e arrisquei enviar 15 safras para a Wine Spectator, desde 2007 até 1993, para observar como o Sauvignon Blanc envelhece. Nenhum deles estava oxidado, todos estavam em um ótimo estado. É claro que o 1993 não estava tão vibrante, mas todos ainda tinham certa vivacidade. Algumas vezes o Sauvignon Blanc pode se parecer com o Riesling, com um pouco de petróleo, é muito interessante. Para mim, o auge está, normalmente, entre dois e cinco anos. Hoje, o 2008 está perfeito. Não gosto de generalizar, mas, às vezes, é preciso, então, gosto de Sancerre e Pouilly Fumé depois de três anos. É o tempo perfeito.

Há lugar para vinhos tintos no Loire? Quais as regiões?
No Loire, temos bastante Cabernet Franc, especialmente na região de Chinon. Em Sancerre, temos Pinot Noir, que é muito imprevisível, uma das uvas mais complicadas de lidar, pois ela é extremamente delicada. Para ter um bom Pinot Noir, é preciso saber domar sua maturação. Se elas não estiverem bem maduras, você jamais produzirá um bom Pinot Noir. Esse é um dos motivos pelos quais no Loire somos mais propensos a produzir vinhos rosés. Há 20 anos, lembro que, durante a colheita, eu estava dando uma entrevista e a jornalista me perguntou algo que não sabia sobre Sancerre tinto e minha resposta foi muito espontânea. Disse que, às vezes, algumas safras são melhores para produzir vinhos rosés. Choquei algumas pessoas, mas ainda estou convencido disso. Sinceramente, ainda estou tentando em achar o real estilo do Pinot, talvez em três ou quatro anos possa dizer.

Você acredita que há futuro para os vinhos tintos em Sancerre e Pouilly Fumé?
Não. A alma do Sauvignon Blanc está em Sancerre e Pouilly Fumé e a do Pinot Noir está na Borgonha. Os tintos de Sancerre podem ser interessantes, mas é muito complicado conseguir atingir o nível que ela tem na Borgonha. Nós produzimos Pinot com mais especiarias, mas produzimos cada vez menos tintos. Não sou obcecado pelos tintos de Sancerre [risos]. Mas a Pinot Noir é minha uva favorita para tintos e Champagne, pois tem finesse, elegância.

AD 90 pontos
AQUARELLE SANCERRE BLANC 2008

Domaine Pascal Jolivet, Loire, França. O simpático enólogo Pascal Jolivet é um dos maiores talentos da nova geração de produtores de vinho do Vale do Loire e elabora este branco exclusivamente a partir de uvas Sauvignon Blanc advindas das vilas de Bué, Verdigny e St. Gemme, na denominação de Sancerre, utilizando-se somente de leveduras indígenas e sem passagem por madeira. Apresenta cor amarelo-citrino de reflexos esverdeados e aromas limpos e delicados de frutas brancas maduras, notas florais, herbáceas e minerais. No palato, é frutado, estruturado, equilibrado, tem bom volume de boca, ótima acidez e final persistente, confirmando a mineralidade presente no nariz. Firme e elegante, pode acompanhar desde frutos do mar até queijos do tipo chevrè. Álcool 12,5%.EM

AD 92 pontos
INDIGÈNE POUILLY FUMÉ 2008

Domaine Pascal Jolivet, Loire, França. O enólogo Pascal Jolivet é adepto da mínima intervenção para produzir seus vinhos e é nesses moldes que elabora este branco de pequena produção - apenas 6 mil garrafas - exclusivamente a partir de uvas Sauvignon Blanc advindas da denominação de Pouilly Fumé, utilizando-se somente de leveduras indígenas e mantido em contato com as borras por 12 meses antes de ser engarrafado, sem filtração ou resfriamento. Apresenta cor amarelo-palha e aromas de frutas brancas e cítricas maduras permeados por notas florais e minerais, além de toques herbáceos, de frutos secos e de mel. No palato, é frutado, untuoso, redondo, tem ótima acidez e final longo, permeado por um frescor mineral que traz complexidade e elegância ao conjunto. Grande vinho. Indicado para peixes e frutos do mar. Álcool 12,5%. EM

Voltar as Notícias