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A história das cooperativas Aurora e Garibaldi

Mundo do Vinho

Duas das cooperativas vinícolas brasileiras mais tradicionais completam 87 anos e mostram como foram capazes de prosperar em um mercado tão competitivo

A década de 1920 e o início dos anos 1930 foram períodos muito turbulentos na história do Brasil. Eles marcaram o fim da República Velha, assolada pela Crise de 29, e o começo da Era Vargas com a Revolução de 1930. Pouco tempo depois de o gaúcho Getúlio Vargas assumir a presidência do País, surgiram importantes movimentos associativos de produtores rurais em seu estado.

Desde antes, no interior do Rio Grande do Sul, já pipocavam as primeiras cooperativas de vitivinicultores. Em janeiro e fevereiro de 1931, porém, apareceriam duas das mais tradicionais, a Cooperativa Vinícola Garibaldi e a Cooperativa Vinícola Aurora, que hoje completam 85 anos.

Na época, as cooperativas se estabeleceram para dar ao pequeno produtor uma alternativa mais viável de subsistência, já que sozinho, muitas vezes, ele se via obrigado a vender suas uvas e vinho a preços irrisórios – ou então sequer tinha capacidade para vini¬car sua produção. A cooperativa de Garibaldi, por exemplo, começou portentosa para a época, reunindo 73 fundadores. Em Bento Gonçalves, a Aurora, congregou 16.

Atualmente, a Garibaldi tem 380 famílias associadas e a Aurora impressionantes 1.100. Ambas viveram momentos de altos e baixos até chegarem ao que são hoje. Na época de suas fundações, as cooperativas atraíram os pequenos produtores e cresceram muito com foco no aumento da produção e devido à melhor distribuição dos produtos. Com o passar dos anos, elas perderam um pouco de espaço por não acompanharem de perto o desenvolvimento técnico e qualitativo da vitivinicultura nacional.

Mais recentemente, porém, as cooperativas passaram a se modernizar, não só tecnologicamente, mas, especialmente, em gestão e marketing. Antes dependente de vinho de mesa e vendendo até mesmo à granel, a Garibaldi, por exemplo, viu uma oportunidade nos espumantes e hoje é uma das principais referências do Brasil no quesito. A Aurora não -cou para trás e inova constantemente na linha de produtos, criando até vinhos de procedências específicas, além de aventurar-se na produção em parceria com vinícolas da América do Sul e em terras próprias da empresa.

Durante certo tempo, o termo “cooperativa” chegou a ser deixado de lado para dar mais ênfase às marcas. No entanto, hoje, modernizadas e já antenadas com o mercado, ele volta à tona para lembrar as origens sustentáveis dessas grandes empresas – que, em sua base, possuem inúmeras pequenas propriedades familiares que delas dependem.

A seguir, contamos um pouco da história dessas duas cooperativas emblemáticas no cenário do vinho brasileiro.

Cooperativa Vinícola Garibaldi

A empresa nasceu como Cooperativa Agrícola Garibaldi na quinta-feira, 22 de janeiro de 1931, na sede do Club Borges de Medeiros. Naquele dia, Monteiro de Barros reuniu representantes de 73 famílias para criar uma das mais importantes cooperativas da região. O sucesso da empreitada foi tanto que, em 1935, o grupo já contava com 416 associados.

A prosperidade, contudo, estancou no começo dos anos 1970. Em 1973, a empresa sofreu uma intervenção que durou cinco anos. O processo, porém, deu resultado e, no começo dos anos 1980, a Garibaldi passou a se modernizar. No entanto, o grande passo só seria dado no início dos anos 2000.

“No passado, a cooperativa trabalhava muito com vinho de mesa e até a granel, e isso não rentabilizava o produto. Era uma commodity. Então, sentimos a necessidade de agregar valor. Desde 2004, investiu-se fortemente na elaboração de espumantes para dar essa guinada, rentabilizar os produtos e remunerar a uva dos associados. Foi feito um intenso trabalho no campo de reconversão, tecnologia em produto, para chegar a esse reconhecimento de mercado que temos hoje, como referência na produção de espumante”, afirma o atual presidente da cooperativa, Oscar Ló, um dos principais responsáveis pela evolução da Garibaldi no mercado.

A cooperativa tem hoje 380 famílias associadas, que juntas formam um total de 900 hectares em 12 municípios diferentes do Rio Grande do Sul. Gerenciar tudo isso é um trabalho complexo. “Nosso departamento técnico visita todas as propriedades pelo menos três vezes ao ano. Temos um contato direto como produtor tanto na orientação técnica quanto reconversões, conforme os interesses da cooperativa”, atesta Ló, que faz questão de frisar a importância do profissionalismo da gestão para o sucesso do negócio. “As 380 famílias são responsáveis pela produção da uva. Elas elegem um conselho para cuidar do negócio e cada área tem um responsável, um profissional contratado para gerir. Você é cooperativa, mas tem que ser pro¬ssional no que faz”, afirma.

Em 2010, a Garibaldi adquiriu os direitos de produção e comercialização da marca Granja União, que estava sob domínio da Vinícola Cordelier. Mais recentemente, lançou a linha Acordes. Quais seriam os próximos passos? “Temos um bom volume de uva híbrida americana. Nosso foco é trabalhar os espumantes, mas também o suco de uva. Em volume, o suco ainda hoje é maior. Porém, pensando a longo prazo, a ideia é aumentar a participação do espumante”, conta Ló.

Segundo ele, um dos grandes desafios da Garibaldi hoje é ajudar a manter o homem no cam- po. “Queremos garantir a sucessão rural, dando condições, rentabilidade e dignidade ao homem do campo”, revela. E é por isso que, para ele, a empresa não pode deixar de lado o status de cooperativa. “Há um tempo, não se falava muito na expressão cooperativa, mas hoje, pelo contrário, cada vez mais queremos reforçar o fato de sermos uma cooperativa. Hoje o consumidor tem um carinho especial quando toda a produção vem da agricultura familiar. Isso não deixa de ser um estímulo para o mercado

Cooperativa Vinícola Aurora

Quando 16 famílias se reuniram para formar a Cooperativa Vinícola Aurora no dia 14 de fevereiro de 1931, provavelmente elas não imaginavam que mais tarde se transformariam no maior empreendimento do gênero no Brasil. Hoje, a empresa tem números impressionantes, com 1.100 famílias associadas e uma safra média de 50 mil toneladas procedentes de quase 3 mil hectares.

Ter uva disponível certamente torna o trabalho dos enólogos mais tranquilo. “A Aurora não é uma compradora, é uma receptora. Recebe uva do seu cooperado e vai dar um destino, vai criar produtos, vai trabalhar no sentido de que a produção possa ser escoada. Precisamos fazer esse giro”, lembra Flávio Zilio, enólogo-chefe da empresa.

Mas a questão certamente não se resume a dar vazão à produção, do contrário a empresa não teria se transformado em uma das líderes de mercado no Brasil. Isso deveu-se a um forte investimento em modernização e, obviamente, a uma gestão capaz de enxergar os anseios dos consumidores.

“Nosso grande desafio é competir num mercado onde não existe piedade. Ou você é bom ou não. No começo parecia algo bastante difícil, mas hoje o capital humano da Aurora tem se mostrado tão eficiente que esse desafio está sendo superado. Antes, as pessoas diziam que as grandes cooperativas não seriam capazes de competir no mercado, pois o produtor não tinha qualidade boa na matéria prima. Isso não é mais um desafio, pois (a qualidade) acontece normalmente na empresa. Hoje estamos em igualdade e ainda com uma pequena vantagem no que tange à produção, pois não precisamos correr atrás das uvas”, avalia Zilio.

Diante desse cenário, a Aurora mostra-se uma cooperativa ousada, pois, de tempos em tempos, é capaz de surgir com novidades importantes. Uma delas, por exemplo, é a aquisição de 22 hectares em Pinto Bandeira. Lá, desde os anos 1970, funcionava o Centro Tecnológico de Viticultura da empresa, que aclimatava as mudas, além de produzir em caráter experimental. Depois, o local deixou de experimentar e passou a ter vinhedos produtivos para os vinhos com Indicação de Procedência dessa região.

Outro passo decisivo foi a criação da linha Procedências, em que vinhedos de regiões específicas foram escolhidos para criar vinhos com mais identidade de terroir – algo complicado quando se pensa na quantidade de associados e pequenas propriedades. “Isso é um grande passo para a Aurora. Talvez seja uma das decisões mais importantes, pois mostra a maturidade da vinícola”, afirma Zilio. Segundo ele, a empresa lhe oferece grande liberdade de atuação, pois pensa em crescimento. “Tenho uma liberdade que não se encontra em muitas empresas. Obviamente que ninguém é irresponsável de fazer experimentos e perder dinheiro, mas temos uma liberdade para trabalhar que é muito positiva”, garante. Por trás disso, está a ideia que norteia a Aurora: “não se pode fazer amanhã o mesmo que se fez hoje”.

“A Aurora usa essa regra há muito tempo. Para mim, é um desafio muito saudável”, diz Zilio. Ao ser questionado sobre os próximos passos na enologia da empresa que completa 85 anos, ele revela: “Queremos ser ainda melhores e colocar mais fruta nos vinhos. Fazer vinhos ainda melhores. Chegar a patamares diferentes. Não podemos ficar parados”. E, para provar que es- tão antenados, um dos experimentos recentes é na produção de vinhos laranjas. “É um experimento, mas não é uma microvinificação. Se tudo der certo, teremos um volume capaz de ir a mercado. Porém ainda não é garantido que vá”, pondera o enólogo.

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