Mundo do Vinho
Brancas ou tintas, as uvas emblemáticas apresentam pontos em comum. São sempre importantes no país ou região que as adotou, mas não necessariamente no país de origem; seu nome vem estampado no rótulo, nos varietais da casta - Carmenère, Zinfandel - ou nos cortes - Shiraz-Cabernet, Malbec-Merlot. E as empresas que os vinificam têm, muitas vezes, nesse vinho, sua comissão de frente na exportação.
O Brasil ainda está devendo sua uva emblemática. Consideremos assim, nessa primeira parte, o que se verifica na Califórnia, no Chile, na Argentina e no Uruguai.
Na Califórnia, a Zinfandel
A Califórnia tem feito carreira internacional com uvas francesas como Chardonnay e Cabernet Sauvignon. Sua proposta particular, entretanto, já consolidada, é a variedade Zinfandel. A teoria de que ela seja a mesma casta italiana Primitivo, da Puglia, parece se confirmar com uma adequação: as duas são clones de uma mesma variedade da Croácia, a Cirlienack. É certo que já era cultivada na Califórnia por volta de 1850, possivelmente levada da Itália por colonizadores italianos ou diretamente da Croácia pelo aventureiro húngaro Agoston Harasthy, que fixou residência em Sonoma, Califórnia.
De caráter versátil, seus vinhos apresentam- se em três tipos diferenciados. O melhor vem de Napa e Sonoma, onde origina tintos intensos e alcoólicos com nuances frutadas - cereja, amora, mirtile - e condimentadas, aliadas aos aromas da madeira, baunilha ou coco, tabaco, torrefação. Com tais atributos, os melhores vinhos da Zinfandel pedem pratos de pleno sabor, tais como carnes vermelhas com molho de mostarda, guisados de caça, embutidos saborosos, pato ou peru assados.
Em outras áreas californianas a Zinfandel origina tintos leves, frutados e suculentos; mais baratos, de menor expressão internacional, mas de larga aceitação local.
Não é tudo. No passado, quando Zinfandel ainda não vendia bem, o vinicultor Bob Trinchero, da vinícola Sutter Home, num golpe de marketing, passou a elaborar um rosé a que chamou de White Zinfandel. Com o sucesso, outros vieram no rastro e a moda se alastrou pela Califórnia. Pouco apropriado para a mesa, esse 'blush' é usado em piqueniques e em espetáculos ao ar livre, bem frios. Ainda hoje, vende como água.
A Carmenère no Chile
Originária de Bordeaux, onde é também conhecida como Grande Vidure, a variedade Carmenère foi atacada na origem pela praga da filoxera, desaparecendo gradualmente. Antes disso, ainda no começo do século XIX, ela tinha sido levada para o Chile, onde foi cultivada por décadas como se fosse Merlot. O equívoco foi corrigido em 1994, e a separação das videiras propiciou a adequada colheita da Carmenère, de maturação mais tardia que a Merlot. Inovando, a Viña Carmen atreveu-se a rotular um varietal seu como Grande Vidure. Seguiu-se a inscrição Carmenère em um tinto da Viña Santa Inês, e a uva ganhou prestígio e uma aura de novidade. Logo passaria a ser a marca registrada do Chile. Vinificado cuidadosamente, é um tinto de cor rubi profunda, aromas de framboesa e morango, eucalipto, café, especiarias e pimenta, encorpado e longo. Carnes vermelhas condimentadas, cabrito assado e massas 'alla arrabiata' têm nele uma boa escolta.
Na Argentina, a Malbec
Entre as variedades tintas da Argentina, a Malbec reina como base dos melhores exemplares do país. Ela encontrou um habitat ideal nas altitudes elevadas próximas da vertente argentina dos Andes, com terrenos de aluvião e forte amplitude térmica, dando forma a vinhos estruturados com taninos doces e uma fruta intensa. Originária do sudoeste da França, onde é também conhecida por Cot ou Auxerrois, tornou-se a uva emblemática Argentina nos anos noventa.
Consta que seu nome seria derivado de 'mal bec' - gosto ruim - hipótese sem sustentação. Uma hipótese mais civilizada é de que um certo Monsieur Malbeck teria sido o enólogo que a difundiu no sudoeste da França, em Cahors e Madiran.
O vinho da Malbec é de coloração rubi intensa, paladar tânico e encorpado quando jovem, aveludado mais tarde, alcoólico em Mendoza, próprio para o envelhecimento.
A maturação da uva deve ser adequada para evitar desenvolvimento de um caráter herbáceo que lhe traz discreto amargor. Bem acabado, é ideal para os 'assados' argentinos. Também para carnes grelhadas, cordeiro, cabrito e pato, massas com molho vermelho, presuntos crus, cogumelos e queijos simples.
A Tannat no Uruguai
Dos 10 mil hectares de vinhedos uruguaios, algo entre 35 e 40% é da uva Tannat. Originária do país basco francês, e clássica em Madiran, no Sudoeste da França, foi aclimatada no Uruguai na segunda metade do século XIX pelos herdeiros do empresário basco Pascual Harriague, que se estabelecera no país em 1838.
Trata-se de variedade tinta de cachos grandes e bagos de médio para pequenos. Não é nada amistosa. Como indica a raiz de seu nome - o mesmo 'tan', de tanino - sua adstringência pode ser demolidora, exigindo bom trabalho no campo e madureza adequada, originando um tinto concentrado, de frutado profundo - cassis, framboesa, ameixa - rico em especiarias e em nuances carameladas, com taninos selvagens que só o tempo é capaz de domar. Se a uva foi colhida madura, o Tannat estacionado em carvalho e envelhecido em garrafa se torna aveludado, macio e agradável. Bela opção para a 'parrillada' uruguaia, caças, massas condimentadas e queijos curados.