Mundo do Vinho
St. Helena, Califórnia – Os grandes vinhos são quase sempre surpreendentes. Às vezes, parecem não fazer sentido algum.
Foi assim que me senti em uma visita à Heitz Cellar, em meados de agosto, para uma degustação retrospectiva de seus cabernet sauvignons desde a safra de 1972. As 18 garrafas incluíram vinhos de um único vinhedo, de Trailside e de Martha’s Vineyard, um local sagrado em Oakville, na Califórnia, além dos blends do Vale do Napa. Todos eram cem por cento cabernet sauvignon.
Um dos vinhos mais velhos, um blend de 1973, era fresco e animado, porém calmo e gentil, com sabores de ervas, frutas vermelhas e sarsaparilla. Isso é algo notável para um vinho de 46 anos que provavelmente era vendido a cerca de US$ 6 a garrafa.
O Heitz Martha’s Vineyard 1985, uma safra famosa, era fresco, equilibrado e completo, com um toque de menta proeminente que é característico dos vinhos da área. O Trailside Vineyard 91 era escuro e terroso, com sabores encantadores e duradouros.
Esses vinhos eram soberbos. Mas, para a maneira contemporânea de pensar a bebida, ou pelo menos na minha maneira de pensar, eles eram difíceis de entender. O método da Heitz de fazer cabernet sauvignon, com alta acidez e baixo pH, vai contra muitas crenças atuais sobre como um grande vinho deve ser produzido.
Muitos cabernets do Napa podem ter sido produzidos com métodos semelhantes na década de 1970. Mas hoje? A Heitz é praticamente única.
Meio século atrás, pouco depois que Joe e Alice Heitz compraram uma pequena propriedade em St. Helena em 1961, os cabernet sauvignons da Heitz Cellar, particularmente os de Martha’s Vineyard, estavam entre os vinhos mais apreciados produzidos no Vale do Napa.
Apesar do sucesso precoce, a Heitz é hoje raramente mencionada entre a elite do Napa, tendo sido ofuscada pela ascensão dos cultuados produtores de cabernet da região. Essas pequenas operações, que começaram a se destacar na década de 1990, defendiam a pequena produção e os preços exorbitantes, acabando por se tornar as garrafas mais cobiçadas do Napa.
Produtores como a Heitz, que, apesar de problemas ocasionais, resistem ao teste do tempo (e que em outros lugares poderiam ter sido elevados ao status de panteão), foram eclipsados por vinhos que pareciam se encaixar em uma estética mais moderna.
Joe Heitz morreu em 2000. Dois de seus filhos, David Heitz e Kathleen Heitz Myers, administraram o negócio até o ano passado, quando o venderam a Gaylon Lawrence Jr., rico agricultor do Arkansas.
Lawrence nomeou Carlton McCoy Jr., de 35 anos, sommelier americano jovem, mas famoso, como presidente e executivo-chefe, e lhe deu a tarefa de levar a Heitz de volta à fama e traçar seu futuro para os próximos 15 anos. Sua filha, Westin Lawrence, juntou-se a ele e é responsável pelo marketing e pelas relações públicas.
Poderia ter sido tentador para Gaylon Lawrence, assim como aconteceu com outros novos proprietários devinhedosdo Vale do Napa, transformar a Heitz em um projeto de vaidade. O sucesso poderia ter sido alcançado na comparação da Heitz com outras propriedades do Napa que pertencem a magnatas.
Em vez disso, diz McCoy, Lawrence simplesmente deixou a equipe fazer o que for preciso para produzir os melhores vinhos possíveis, respeitando a tradição da vinícola, ou, como ele mesmo colocou, “compreender o significado do que temos e preservá-lo”.
Brittany Sherwood, que se juntou à Heitz em 2012 após completar o programa de viticultura e enologia na Universidade da Califórnia, em Davis, e que foi aprendiz de David Heitz, permaneceu como enóloga. A maior mudança imediata é que a Heitz, que segundo McCoy cultiva uvas orgânicas desde a década de 1980, vai adotar a viticultura biodinâmica em 172 de seus hectares.
Uma visita às instalações da Heitz no Vale do Spring, um recanto quase escondido na Trilha Silverado, é como a entrada em uma máquina do tempo, direto ao Vale do Napa de 1970, o início da era moderna da produção de vinho da Califórnia. Talvez até naquela época os métodos da Heitz fossem considerados excêntricos.
Joe Heitz queria fazer tintos maduros, e considerava a acidez, não os taninos, como o ingrediente essencial para o envelhecimento. Em relação ao pH – que mede quanto uma substância é ácida ou básica em uma escala de 0 a 14, com menos de 7 sendo ácida –, Heitz buscava 3,3 a 3,4 em seus cabernets.
Em 2019, a Heitz ainda tem essa meta, mesmo quando outros cabernets da região hoje costumam ter níveis mais baixos de acidez, com pHs em torno de 3,8 e 4,0.
Muitos produtores locais hoje colhem suas uvas com altos níveis de maturação, quando estão cheias de açúcar e a acidez da fruta é menor. Eles adicionam então o ácido tartárico na adega para diminuir o pH e acrescentam água para baixar o nível de álcool.
O método de cultivo da Heitz considera a maturação quando os níveis de ácido e açúcar nas uvas são mais equilibrados. No entanto, a Heitz ainda utiliza rotineiramente o ácido tartárico. E o mais surpreendente, em um passo tomado por poucos produtores de vinhos tintos finos em qualquer lugar do mundo: ela bloqueia a fermentação malolática, em que o ácido málico é convertido em ácido lático, mais suave.
Muitos produtores de vinho branco, particularmente em climas mais quentes e com certas uvas como a riesling, bloqueiam a fermentação malolática na tentativa de preservar o frescor. Mas quase nenhum produtor de vinho tinto faz isso, exceto a Heitz.
O pensamento contemporâneo, defendido por sommeliers e críticos, é que a intervenção mínima é o melhor método para os produtores. Mas McCoy acredita que o vinho, por ser complexo, não permite generalizações.
“O vinho é uma bebida incrivelmente complicada; qualquer afirmação que você fizer estará errada, não importa qual seja. Tenho vergonha de algumas das generalizações que fiz no passado. Temos de aceitar e entender mais.”
Além disso, disse ele, a evidência são os próprios vinhos. “Você tem o resultado: eles são deliciosos e envelhecem incrivelmente bem”, disse ele.
Isso é verdade. Dos 18 vinhos provados, todos eles com mais de 20 anos, apenas um, um Trailside da polêmica safra de 1997, parecia estar se desvanecendo. Fora isso, eram vivos, graciosos e lindamente integrados no geral.
Os métodos de vinificação da Heitz hoje são praticamente os mesmos, assim como seus vinhos.