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Ainda que não com o tom de tragédia de anos atrás, nos bares de Madri ainda persiste o pessimismo. As queixas contra os políticos, as denúncias de corrupção, o desemprego de um quarto da população. Já são seis anos de crise, a mais dura em meio século e, entre uma taça e outra, o fantasma do futuro ainda parece cobrir as esperanças dos espanhóis, apesar de os números macroeconômicos começarem a melhorar.
E a crise também afetou o vinho. Segundo o Ministério da Agricultura, a Espanha é o primeiro produtor de vinhos do mundo, mas as cifras de consumo interno baixaram dramaticamente. Hoje os espanhóis bebem pouco menos de 19 litros per capita ao ano (de acordo com as enquetes mais otimistas), menos da metade do que consumiam há 20 anos.
Pedindo socorro à teoria, essa baixa pode ser devida a muitos fatores. Os novos hábitos de vida, o avanço da cerveja, os controles de trânsito e, claro, os anos de vacas magras que os espanhóis sofreram. Mas, por outro lado, a cena de vinhos espanhóis é hoje uma das mais dinâmicas do mundo. Apesar da crise, o vinho continuou crescendo. No ano passado, exportou mais de 2,6 milhões de euros, colocando-se no terceiro lugar do ranking mundial.
Vinhos da Galícia estão muito longe do estilo que comumente se associa ao vinho espanhol
Mas ainda mais excitante é o ritmo dessa indústria. A cada momento aparecem novos nomes, redescobrem-se antigas regiões, revitalizam-se novas cepas e, em geral, tudo parece ter uma energia nunca antes vista. E os vinhos da Galícia têm muita culpa nisso. É uma região que há uma década estava à sombra de outras denominações de origem tradicionais (Rioja, Ribera del Duero, Priorato), mas que hoje é objeto de um redescobrimento inusitado: alguns dos vinhos mais importantes da península vêm daí, da “Espanha verde”, nesse canto ao noroeste do país, bendito pelas chuvas (às vezes insuportáveis), pelas montanhas cheias de vinhedos, pelas brisas marítimas e pelos solos de granito e ardósia, alguns dos quais dão tintos e brancos que lhe deixam sem alento.
Viagem
A primeira vez que estive na Galícia, ao menos em termos profissionais, foi em meados de 2000. De passagem por Bierzo (nestes anos também objeto de atenção), cruzei as montanhas para escrever uma reportagem sobre Godello, a cepa branca que tão bons resultados dá em Valdeorras, a mais oriental das denominações galegas.
Nessa viagem, digamos, “inicial”, pude conhecer alguns dos mais importantes produtores galegos, gente que, na época, somente conseguia colocar algo de sua produção no mercado local. Nem sequer sonhavam em ir além, nem que seus vinhos estivessem nas prateleiras de algumas das lojas mais bacanas de Nova York, ou que seus rótulos fossem selecionados e aplaudidos nos mais diferentes restaurantes e feiras de Londres.
A Galícia, com certeza, está muito distante do estereótipo paisagístico que temos da Espanha. Não são pradarias de trigo de Castilla e León, tampouco as idílicas praias de Ibiza. De Rías Baixas até Valdeorras, a paisagem é de montanhas, dias nublados, colinas com inclinações impossíveis onde se cultiva a vinha. E tampouco é um lugar onde, por exemplo, a Tempranillo tem espaço. O que predomina são as cepas autóctones, adaptadas a essa região porque o clima e o solo são únicos. Bracellao, Caiño, Loureiro, Ferrol, Mencía (também presente em Bierzo), Bastardo (a Trousseau do Jura), Espadeiro, além da mais conhecida Albariño.
Em comparação com outras regiões da península, o clima galego é mais frio. É por isso que, por exemplo, a Mencía de Ribera Sacra tem uma delicadeza e uma acidez que a de Bierzo (que é onde essa casta se fez conhecida) não tem. E também é por isso que até o ocidente galego, a Albariño dá vinhos tão aromáticos e refrescantes, mas também tintos alucinantes como os que são feitos com Caiño, cuja acidez e frescor lhe faz pensar no norte europeu, lhe transporta a Savoia, na França, ou ao Valais, na Suíça; tudo muito longe do estilo que comumente se associa ao vinho espanhol, generoso em corpo, em álcool. Este é, definitivamente, outro mundo.
E como Novo Mundo, é um lugar para descobrir. Lamentavelmente, os vinhos galegos não chegam à América do Sul com a diversidade e regularidade que merecem, então as viagens e a curiosidade são armas para explorá-los. O demais são sardinhas, polvos, empanadas, cozidos, presuntos. E todas as uvas que podem acompanhá-los.