Outras Bebidas
Em terras lusitanas, a produção de bebidas obtidas pela destilação do vinho e do bagaço não tem data exata de início. Não se sabe quem surgiu primeiro, a bagaceira ou a aguardente vínica. A primeira sempre teve um aspecto mais popular de rusticidade ligada ao homem do campo, enquanto a segunda é associada à alta aristocracia pela sua delicadeza e gosto refinado.
Como se faz?
A aguardente bagaceira, ou simplesmente bagaceira, é obtida pela destilação do mosto fermentado das partes sólidas da uva, como cascas, sementes e até mesmo cachos. As películas, como os portugueses chamam as cascas e grainhas – que são as sementes da uva –, têm, em seu interior, óleos essenciais que dão à bagaceira aromas e sabores típicos que são muito apreciados.
Para se produzir uma boa bagaceira, devemos prestar atenção a diversos fatores. Para começar, a matéria-prima deve ser a melhor possível, além da escolha das castas mais adequadas ao produto final. Outro ponto muito importante é o tipo de destilação que será utilizado. Uma produção mais caseira ou industrial irá resultar em dois produtos totalmente distintos.
Um dos fatores mais importantes que irá diferenciar a bagaceira produzida por diferentes produtores é o manejo das proporções adequadas de cascas, sementes e até mesmo de cachos – que são como receitas secretas e determinam o estilo de cada produtor. A destilação dessa mistura irá produzir um líquido incolor que sai do destilador com teor alcoólico ao redor de 40% e que vai diretamente para a garrafa.
Tradição
Uma das casas mais tradicionais em Portugal a produzir a bagaceira é a Caves Neto Costa, fundada em 1931 por Horácio Neto Costa no coração da Bairrada. Originalmente, sua produção era focada em espumantes, mas com o passar do tempo sua linha de produtos aumentou e a bagaceira e a aguardente vínica têm hoje em dia um lugar de destaque nas suas vendas.
A bagaceira e a aguardente vínica podem ser consideradas os pais da cachaça, pois foi graças ao know-how português que foram instaladas no Brasil as primeiras destilarias de cana-de-açúcar – chamadas de “casas de cozer méis”, que logo se multiplicaram pela facilidade de existirem engenhos que produziam açúcar e rapadura.
Em 1756, o rei de Portugal, Dom José I, resolveu taxar a nova bebida tornando a cachaça em uma das maiores fontes de impostos para a coroa. Esses recursos foram utilizados para a reconstrução de Lisboa, que tinha sido abalada por um grande terremoto no ano anterior. Com o passar do tempo, de grande fonte de recursos, a cachaça chegou a ser proibida – o que a tornou símbolo da independência da coroa e fez com que os destilados portugueses fossem banidos do país. Não se sabe também se foi a partir desse momento que na região nordeste do país o termo “bagaceira” ganhou a conotação de “coisa ruim”, que logo se espalhou para o resto do país.
Diferentemente da bagaceira, a aguardente vínica é resultado da destilação do vinho, o que a torna um produto mais sofisticado, com aromas e sabores menos fortes e mais equilibrados. Ela pertence à mesma família do Cognac, Armagnac e Brandy de Jerez, que passam pelo mesmo processo, mas têm como grande diferencial a tipicidade das castas de uvas utilizadas na sua preparação, o que as tornam únicas.
Outro aspecto importante na sua elaboração é o envelhecimento em barris de carvalho, para que ganhem suavidade, tons mais escuros, complexidade, sabores e aromas. A classificação do produto final também irá variar pelo tempo de envelhecimento, que pode ser de dois a seis anos.
A bagaceira e a aguardente vínica podem ser consideradas os pais da cachaça, graças ao know-how português
Macieira, o regresso ao Brasil
O retorno dos destilados portugueses ao Brasil só ocorreu nas décadas de 1930 e 50 e, mais recentemente, em 1992, quando da abertura das importações que vigora até hoje. Das marcas importadas, a que mais se destacou foi a produzida pela família Macieira, fundada em 1865 pelo patriarca José Guilherme Macieira.
Naquele tempo, as relações culturais entre Portugal e França eram muito estreitas e as visitas dos filhos das famílias endinheiradas àquele país eram frequentes. O filho de José Guilherme Macieira visitou a região e tomou gosto pela produção de Cognac. José Maria Macieira convenceu seu pai a produzir, em Portugal, uma bebida com as mesmas características. Em 1885, 20 anos após a fundação da empresa, o Brandy Macieira passou a ser produzido na Vila de Bombarral, coração da Estremadura, e foi lançado no mercado português. Foi a primeira vez que a aguardente vínica recebeu um outro nome para o mesmo tipo de produto e fez com que ganhasse reconhecimento mundial pela qualidade final e pelo termo Brandy.
O Macieira teve ainda dois grandes apreciadores, o poeta português Fernando Pessoa e o escritor brasileiro Jorge Amado. Nos anos 1980, Amado, sempre que visitava Portugal, recebia uma caixa com garrafas de Macieira original do produtor. Nesse tempo, Macieira era produzida no Brasil e a qualidade era obviamente diferente. Hoje em dia, somente a produzida em Portugal é comercializada por aqui.
Adega Velha com Vinhos Verdes
Outro produtor tradicional de aguardente vínica é a Aveleda, empresa que, há mais de três séculos, é dirigida pela mesma família. Ela é líder de mercado na região dos Vinhos Verdes e têm seus vinhos em mais de 90 países.
A Adega Velha produzida pela Aveleda tem a seu favor a utilização dos Vinhos Verdes, que têm maior acidez e produzem excelentes aguardentes, tanto bagaceiras como vínicas. Ela tem uma cor âmbar, buquê complexo e harmonioso de flores silvestres com um toque de madeira nobre.
Mas é bom lembrar que a grande variedade das castas portuguesas permite elaborar aguardentes e bagaceiras com aspectos diferenciados, capazes de satisfazer gostos muito diferentes apesar da pouca divulgação e consumo no Brasil.
Vinhos avaliados
Aguardente Bagaceira Neto Costa
Neto Costa, Portugal. Com aspecto límpido, é incolor e apresenta um aroma e paladar bastante típicos de aguardente de bagaço. Lembra uma grappa sem passagem por madeira. Primeiro ataque quente e marcado. Teor alcoólico de 40%
Royal Brandy Macieira
Casa Macieira, Portugal. A mais tradicional marca do mercado. Apresenta cor âmbar caramelo com baixa persistência aromática. Notas de caramelo bastante pronunciadas na boca, o que encobre, às vezes, o álcool. Teor alcoólico de 36%.
Aguardente Vínica Velha Neto Costa
Neto Costa, Portugal. Cor âmbar. Possui aroma elegante e persistente, lembrando baunilha, frutos secos e especiarias. Na boca, toques de amêndoa e chocolate, equilibrada com final longo e agradável. Teor alcoólico de 40%.
Aguardente Vínica Adega Velha
Quinta da Aveleda, Portugal.Cor âmbar e aspecto límpido, buquê complexo, com toques de madeira (cedro), baunilha, frutos secos, casca de laranja e especiarias. Delicada, fina e elegante. Sedosa, com final longo e bastante agradável. Teor alcoólico de 39%.