Vinho e suas histórias
O palácio foi erguido em 1725 por D. Pedro de Almeida Portugal, Marquês de Alorna
Com 2.800 hectares, sendo 220 de vinhedos, a Quinta da Alorna na região do Tejo (o antigo Ribatejo) tem sua história marcada por acontecimentos que se confundem com a própria história de Portugal. Tudo começou em 1723 – data estampada no rótulo dos vinhos que hoje produz – com a compra da enorme propriedade às margens do Tejo por D. Pedro de Almeida Portugal, que viria a tornar-se o primeiro Marquês de Alorna.
A família Alorna, acusada de envolvimento num atentado ao rei de Portugal, foi presa por ordem do Marquês de Pombal. Com isso, D. Leonor de Almeida Lorena e Lencastre ficou quase 20 anos no mosteiro de Chelas
O título faz referência à conquista da praça-forte de Alorna, nas proximidades de Goa, e deu nome à quinta e ao palácio que D. Pedro mandou construir na propriedade antes de ser enviado como Vice-Rei para a longínqua colônia portuguesa na Índia. O palácio foi erguido em 1725. Foi seu filho, D. João, quem deu início à produção de vinho e azeite na quinta e criou seus belos parques e jardins, inspirados no modelo francês vigente na época.
A história da quinta ganhou contornos mais dramáticos na segunda metade do século XVIII, quando a família Alorna, acusada de envolvimento num atentado ao rei de Portugal, D. José I, foi presa por ordem do Marquês de Pombal, o poderoso primeiro-ministro do reino. Quase 20 anos se passariam até que voltassem à propriedade, que se tornou, então, polo de intensa atividade social e artística. Isso se deve, sobretudo, a D. Leonor de Almeida Lorena e Lencastre, neta de D. Pedro, que mais tarde se tornaria a quarta (e mais famosa) Marquesa de Alorna.
Considerada uma das mulheres mais cultas de seu tempo, D. Leonor dedicou boa parte dos quase 20 anos que passou no mosteiro de Chelas (entrou com apenas oito anos), na espera de que o pai fosse libertado, à leitura e a estudar línguas, hábitos pouco comuns às mulheres de famílias da nobreza. E, assim, tornou-se poetisa, pintora e tradutora.
Sob o pseudônimo Alcipe (nome dado à filha do deus grego Ares, que teria sofrido uma tentativa de violação), escreveu um vasto conjunto de obras e influenciou outros poetas do arcadismo português na época, como Francisco Manuel do Nascimento, chamado de Filinto Elísio, alcunha que lhe teria sido dada pela marquesa. Muito de sua fama também decorria do fato de ter afrontado Pombal.
Ela era uma mulher muito à frente de seu tempo e, depois de liberta, influenciou a política, tanto em Portugal (foi dama de honra de Carlota Joaquina e Maria II – filha de Dom Pedro I, imperador do Brasil) quanto em outras cortes pelas quais passou. Acredita-se que foi graças às suas ideias que D. Maria II teria iniciado as primeiras escolas para mulheres do reino português.
Depois de descartar o casamento com um fidalgo escolhido pelo pai por achá-lo pouco culto, casou-se (a contragosto da família) com um nobre de origem alemã, viveu longos períodos fora de Portugal, passando por Paris, Viena, Madrid e Londres – nesta última cidade por ocasião das invasões napoleônicas que determinaram a mudança da família real portuguesa para o Brasil. O nome “Marquesa de Alorna”, que hoje identifica os vinhos top da quinta, foi dado em sua homenagem.
Quando a marquesa morreu em 1839, devido a uma difícil situação financeira da família, seus descendentes venderam a quinta, mas ela só passaria às mãos dos atuais proprietários em 1918. Naquele ano, foi comprada por Manoel Caroça, médico (dentista) e empresário. Caroça passou a gestão de seus negócios progressivamente à filha, Fernanda, e ao genro, o médico pneumologista Fausto Lopo de Carvalho; e posteriormente aos filhos de ambos. Coube a eles enfrentar a última ameaça à sobrevivência da quinta como propriedade privada: o movimento de 25 de abril de 1974.
A chamada “Revolução dos Cravos” culminou com a queda do regime salazarista e implantou uma nova constituição no país, de forte orientação socialista, o que levou à estatização de muitas das grandes propriedades agrícolas de Portugal. Consta que a Alorna só escapou do mesmo destino pelo apoio de seus empregados, por já praticar políticas trabalhistas consideradas avançadas para a época.
A marquesa morreu em 1839 e seus descendentes venderam a quinta, mas ela só passaria às mãos dos atuais proprietários em 1918. Naquele ano, foi comprada por Manoel Caroça
Poesia
Leonor de Almeida Portugal de Lorena e Lencastre, a Marquesa de Alorna, é um dos principais nomes do Arcadismo português, tendo escrito sua poesia sob o pseudônimo de Alcipe. Sua poesia e suas ideias, na época em que estava enclausurada, têm muita influência do Iluminismo francês. Segue abaixo um exemplo de sua poesia:
Pára, funesto destino,
Respeita a minha constância;
Pouco vences, se não vences
De minha alma a tolerância.
Se eu sobrevivo aos estragos
Dos males que me fizeste,
Inútil é combater-me,
Nem me vences, nem venceste.
Com secos olhos diviso
Esse horror que se apresenta:
Os meus existem de glória;
Morrendo a glória os alenta.
Ligação com o Brasil
Hoje, a Quinta da Alorna compõe-se de três empresas, administradas pela quarta e quinta gerações da família Lopo de Carvalho. Além dos 220 hectares de vinhedos, outros 500 são dedicados a culturas como as do milho, fava, batata, ervilha e amendoim. O restante é ocupado por pinheiros, sobreiros e eucaliptos. Se hoje fica a menos de uma hora de carro da capital, no século XVIII era preciso viajar uma noite inteira de barco, única forma de alcançá-la desde Lisboa.
Atualmente, a Alorna produz aproximadamente 2,5 milhões de garrafas de vinho por ano, abrigadas em três linhas próprias, já que também são produzidos rótulos para terceiros, como supermercados. Apenas a linha principal (Quinta da Alorna) é vendida no Brasil e quase 60% da produção, sendo 70% de tintos e rosés, é exportada para 28 países.
Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon e Alicante Bouschet, entre as tintas; Arinto e Chardonnay, entre as brancas, são as principais castas cultivadas. Em breve, outras castas já plantadas, como Verdelho, Marsanne e Viognier, devem entrar em produção comercial.
Em recente visita ao Brasil, Pedro Lufinha, diretor geral da quinta, destacou que uma das preocupações da enóloga Martta Reis Simões é reduzir o uso da madeira nos vinhos – em linha com o que é hoje uma tendência mundial. Outro objetivo é aumentar o volume de exportações, inclusive para o Brasil, país com o qual a Alorna tem uma curiosa ligação histórica. Além dos oito filhos que teve com a marquesa, o nobre Carlos Augusto d’Oeynhausen, Conde d’Oyenhausen-Gravenburgo, que “aportuguesou” seu nome, teve um filho natural com uma alemã. João Carlos d’Oeynhausen mudou-se para o Brasil com a vinda da família real portuguesa e aqui fez carreira. E por dois anos foi governador do Pará, Ceará, Mato Grosso e São Paulo. Mais tarde, renunciou à cidadania brasileira e aos títulos que aqui recebeu (Visconde e Marquês de Aracaty) para voltar a Portugal, onde conseguiu ser indicado Governador de Moçambique. Foi lá que morreu, pouco depois de assumir o posto.